O palhaço subiu no 701-U e apareceu no corredor com aqueles sapatões, jogou a pasta de couro no banco dos idosos e remexeu os bolsos em busca de uns trocados. Tinha molhado o bilhete único durante a chuva daquele dia, nas calças apenas uma interminável fila de lenços coloridos atados pela secretária (quanto mais ele tirava, mais descobria novos tons de azul-bebê no espectro das cores frias).
O palhaço achou três moedas de dez e duas de cinqüenta que sobrara do troco da cerveja depois do trabalho, mas o cobrador apontou para Tarifa Dois Reais sem tirar o fone do ouvido. O palhaço teve que passar por baixo, desejando ser o contorcionista, enquanto muita gente colocava o walkman no ouvido ou fingia estar cochilando porque (podia estar roubando podia estar matando) certamente ele começaria a pedir. O palhaço se arrastou [contudo todavia] com a pasta de couro através do vão da roleta, sujou os fundilhos, não olhou para ninguém e se sentou no primeiro banco vago. Suspirou alguma coisa, cansado, antes de encostar a cabeça na camada de pó que revestia o encosto do banco. O dia havia sido terrível — o pessoal da firma o culpou por um erro no software de produção, ele teve de assinar um cheque e levar quatrocentos rolos de adesivo pra casa. Também houve um problema financeiro: a funcionária do departamento de folhas-sulfite foi cheirar a flor da lapela do palhaço, apesar das advertências, encharcou-se de uísque e provocou a queda da bolsa (bem na cabeça dele). Na saída, a chuva ainda borrou sua maquiagem, descolou levemente a parte de trás da peruca e arruinou os quatrocentos rolos de autocolante que ele arrastava pela rua de paralelepípedos, para dar de presente à mulher barbada. O palhaço olhava pela janela do ônibus, lamentando ter desperdiçado cinqüenta centavos numa cerveja tão ruim.
Uma criança o encarava no ônibus ao lado, grudava o nariz no vidro, dizia nomes muito feios, mas o palhaço não deu bola, se levantou e percorreu o resto do corredor, meio bêbado. Desceu em frente ao shopping. O palhaço pensava naquele sujeito do trem-fantasma, que se afogara na tina dos elefantes porque não conseguia assustar ninguém.
(dawn zine ...)
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