terça-feira, 30 de agosto de 2005

::: fábula matrimonial :::

Chovia, e ele estava lá fora com uma pá e dois sacos de lixo. Eram nove horas da manhã de uma terça-feira e o marido de Fabiana varria o meio da rua.

Nos primeiros meses de casamento, ele apenas juntava as folhas do quintal antes de ir trabalhar. Com o tempo, comprou um escovão e passou a higienizar a área duas vezes ao dia: pela manhã e à noite. Fabiana percebeu que em breve ficaria solteira no dia em que ele vestiu luvas de borracha e usou oito tampas de "Ajax festa das flores" diluídas em um litro d’água. Incluiu a calçada em seus domínios. Em questão de semanas, ela já não podia colocar o lixo no portão (impunemente) ou chegar da rua pela entrada principal. Corria o risco de deixar pegadas de lama no caminho e causar uma crise conjugal. Na semana das bodas de papel, o marido de Fabiana pediu demissão da Firma, calçou um par de galochas e se pôs a varrer a rua em horário comercial.

Foi quando começou a chover. Enquanto o marido fazia uma faxina no meio-fio, ela arrumava as malas. Fabiana pediria o divórcio e ficaria com a custódia dos materiais de limpeza. Saiu com a bagagem pela porta da frente, deixando pra trás um rastro de lama que, vá lá, a incomodou um pouco. Antes de entrar no carro, aproveitou para juntar umas folhas do quintal e amontoou-as perto da garagem. Naquele canto, encontrou um saco de lixo dobrado pelo marido especialmente para ela, como guardanapo de pano em restaurante chinês.

Fabiana foi embora, é verdade, mas voltaria no dia seguinte com uma pá maior.

(outra do dawn zine #61)

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